sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Três momentos e uma oração


São Simão, Goiás. Estávamos no ano de 1973. Meu pai trabalhava no consórcio ítalo-brasileiro que construía uma usina hidrelétrica naquela cidade. Foi quando conheci a freira norte-americana Katherine Marie Popowich (acho que é assim que se escreve... faz tanto tempo!). Junto com a irmã Catarina, nome aportuguesado adotado por ela, os padres irlandeses Daniel e Martin. Eu era então um dos líderes da Juventude Católica e confesso que até hoje sofro influência dessas pessoas que me pastorearam durante o tempo em que morei em Goiás. Por intermédio delas fiz “encontrão” de jovens e até um TLC – Treinamento de Lideranças Cristãs. Quisera ter aprendido tudo que me passaram.
A irmã Catarina só errou numa coisa: vislumbrava para mim um futuro artístico. Não deu certo. Entretanto, ao presentear-me com uma bíblia – que eu li no decurso de mais ou menos três anos – escreveu uma pequena oração que não guardo mais de cor, mas lembro-me de seus três momentos dirigidos ao Senhor.
O primeiro pede-se Coragem para enfrentar os desafios da vida e para mudar as coisas que devem e precisam ser mudadas. Imaginei um dia que poderíamos fazer isto com o Brasil e fui à luta. De fato, muita coisa mudou. Conquistamos a “anistia ampla, geral e irrestrita”, a redemocratização e junto, as eleições diretas, e ainda uma nova Carta Magna. Queríamos muito mais. Mas, o tempo está passando, e confesso que junto vão minguando minhas esperanças. Fui vencido. O sonho do socialismo desmoronou junto com a União Soviética e hoje se esconde sob os escombros do Muro de Berlim. Contudo, ainda não morreu a utopia. Sem ela, o que seria de mim?
Outras mudanças são demandadas pela própria vida, e essas vão acontecendo tão sorrateiramente que a gente só se dá conta que mudamos quando já estão em curso novas e necessárias mudanças. É assim comigo. E não sei se mudei pela coragem ou se foi pela necessidade. Mudei e quero e preciso realizar novas mudanças. Daí vem-me à memória o segundo momento.
O segundo momento da oração pede Paciência e abnegação para aceitar as coisas que a gente não consegue mudar. Acho que é o meu exercício atual. Um sacrifício em face do afã mudancista da minha juventude e um aprendizado no engatinhar da meia-idade. Uma contradição, eu sei, mas prefiro pensar assim. Sofre-se menos.
Mas o terceiro momento exige uma imensa reflexão. Pede-se Sabedoria para distinguir os dois primeiros. E aí, todas as minhas convicções anteriores se desvanecem. O que fazer? Agitar, gritar, lutar ou simplesmente depor as armas e esperar?
Não sei ao certo. No caminhar da humanidade, valores dantes considerados até atávicos pela sua própria natureza deram lugar a outros que não considero valores. Combater ou abnegar? Até onde estou certo e aonde começam ou meus erros? O quanto já fiz e o quanto ainda tenho a fazer?
Que os meus pastores do tempo de Goiás se compadeçam com sua ovelha. Não fui o artista que esperavam que eu fosse. Tampouco um bom exemplar de seu rebanho, como eu próprio gostaria de ter sido. Tenho tentado compreender esses três momentos enquanto o tempo passa e um futuro incerto me espera depois da curva do rio.

PS.: Estamos agora no ano de 2020. Eu queria muito saber sobre a irmã Katherine que mencionei no início do texto. Como temia, depois de muita pesquisa na Internet, localizei a notícia de sua morte, ocorrida em Goiânia, no dia 9 de abril de 2012. 

Irmã Katherine foi uma das fundadoras da missão das Irmãs de São José de Rochester no Brasil. Chegou ao Brasil no ano de 1964, em resposta ao chamado do Papa João XXIII, que convidou Congregações Religiosas a enviar Irmãs para servir na América Latina. Durante 48 anos, Ir. Katherine conviveu com o povo em Paranaiguara, São Simão, Cachoeira Alta, Goiânia, Goiás e Uberlândia, MG. Com o seu grande amor pela Congregação, iniciou os encontros nacionais e internacionais das Irmãs de São José, serviu como membro da diretoria da CRB Regional (Conferencia dos Religiosos no Brasil), em Goiânia, nos anos 90. Foi sepultada no Cemitério Vale do Cerrado,em Goiânia aos 84 anos de idade.Que Deus a tenha e abençoada seja na eternidade! Obrigado por tudo, Irmã!

terça-feira, 10 de julho de 2007

À sombra dos 50

Ousei! Ouso hoje escrever as primeiras linhas deste blog. Temi. Temi mas venci o medo. Quem sou eu?
Foi o professor (dileto amigo) José Roberto Pinto de Góes quem “batizou” este blog de Diário do Marquês. Uma referência nada compatível com o meu Marques de Moura. Aceitei. Confesso que gostei da idéia, apesar da pretensão. O “Zé” sempre me compreende nas entrelinhas do meu universo nada previsível.
Estou a completar os meus 50. Cinqüenta anos de idade. Meu Deus! Quanto tempo, meio século de vida. Diziam-me que este seria um ano muito bom para mim. O final “7” corroborava com o mito. Afinal, nasci em 27 do 7 de 1957. Tudo finalizado em “7”. E viveria muito bem o 2007.
Não foi bem assim.
Perdi meu pai em 27 (final 7) de janeiro deste ano, a quem devoto os tributos da minha ousadia de escrever. Depois, perdi um primo querido – doutor e professor de geofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Jadir Conceição da Silva - que muito tinha ainda a produzir no cenário técnico-científico no cenário acadêmico brasileiro. Pena! Perco eu, perde minha família e perde o País.
Não o bastante, tive outra perda. Esta eu não posso revelar. Só os amigos o sabem. Junto, muitas esperanças. Hei de recuperar-me, talvez. É assim a vida. Pode levar tempo. As lembranças hão de ficar. A saudade há de me insinuar, mas levarei a vida à frente. Vencerei? Não sei. Só o tempo dirá.
A sombra dos 50 me encobre o tempo inteiro nas passagens da hora. E às vezes me assombra. Quero me esgueirar e gritar um grito dos meus tempos da juventude, mas não consigo. Lutei! Lutei! Lutei pela anistia, pela redemocratização, pelo socialismo, pelo comunismo, pelo amor, pela paz. Mas lutei.
Eu vi a curva do vento que me trazia esperança. Eu vi o povo lutando por suas esperanças. Eu vi o Brasil votar com sonhos outrora esquecidos. Eu vi tantas coisas que já nem me lembro mais. Mas também vi o Muro de Berlim cair sobre minha cabeça. Esperanças perdidas. Inflexões extemporâneas nada adiantaram. O muro caiu.
Novo tempo, um novo tempo. Um novo sol há de brilhar no horizonte ao novo amanhecer. Estou à deriva neste mar de idéias, de um mundo que não concebia. Estou “meio que perdido”, como se diz agora, nesses novos tempos.
Decidi me dedicar à minha “Serra da Esperança”. O município da Serra, aqui no coração do Espírito Santo. A Serra que eu conheci vindo de Minas Gerais há exatamente 31 anos. Hoje sou “Cidadão Serrano” e ainda “Cidadão Espírito-Santense”. Títulos que me dão muito orgulho. Fruto das minhas lutas e também das minhas desventuras nesta terra onde a mistura étnica é mais contundente e construtiva que em qualquer outro estado brasileiro.
Afro-brasileiros, índios, italianos, italianos, alemães, pomeranos, luxemburgueses, suíços, um verdadeiro “caldeirão” étnico que nos faz diferenciados e, ao mesmo tempo, igualitários no torrão que nos acolheu e nos embalou em sonhos de prosperidade.
Doce palavra: igualdade! Igualdade em esperanças de ver um País melhor e mais justo. É assim que começo o meu blog. Recheado de sentimentos íntimos muitas vezes não perceptíveis ou não compreendidos pelos visitantes.
Mas é assim que começo um novo começo, como disse Drummond, “na vida de minhas retinas tão fatigadas”. Algo assim. Só pra começar esse novo começo. Uma tentativa de renascer das cinzas. E tentar viver e seguir em frente. Apesar de tudo.